Canção do
amor livre
Se me
quiseres amar
não despe
somente a roupa.
Eu digo:
também a crosta
feita de
escamas de pedra
e limo
dentro de ti,
pelo sangue
recebida
tecida
de medo e
ganância má.
Ar de
pântano diário
nos pulmões.
Raiz de
gestos legais
e limbo do
homem só
numa ilha.
Eu digo:
também a crosta
essa que a
classe gerou
vil,
tirânica, escamenta.
Se me
quiseres amar.
Agora teu
corpo é fruto.
Peixe e
pássaro, cabelos
de fogo e
cobre. Madeira
e água
deslizante, fuga
ai rija
cintura de
potro bravo.
Teu corpo.
Relâmpago,
depois repouso
sem memória,
noturno.
Incerteza
Em meu olhar se espelha
a sombra interior de incerteza angustiante.
E em minha alma floriu como rosa vermelha,
de um vermelho gritante
como o clangor de um clarim,
essa angústia que vive a vibrar dentro em mim.
É minha vida um longo, ansioso esperar
num amor que há de vir.
Amor, prazer que é dor e sofrer que é gozar,
amor que tudo dá e sem nada pedir,
e que às vezes, num segundo,
resume a glória toda e toda a ânsia do mundo.
Mas depois desse amor, o que virá? O tédio
insípido e tristonho,
desenganos sem cura e dores sem remédio,
com a posse dum bem, o desfolhar dum sonho.
Não vale mais, muito mais,
desejar sempre um bem sem possuí-lo jamais?
Oh! não. O coração
não se cansa de amar se sabe querer bem,
ter para o erro, o perdão,
renunciar a si mesmo e viver para alguém.
E se um motivo qualquer,
imperioso e fatal, o sonho desfizer,
então eu saberei bendizer, comovida,
o amor que já passou
deixando uma doçura amarga em minha vida.
Quando o sonho murchou,
também a esperança finda,
mas dentro d’alma fica uma saudade ainda.
(1934)
Jacinta Passos
nasceu em Cruz das Almas, Bahia, em 1914. Escreveu quatro livros de poesias: —
Momentos de poesia (1941), Canção da partida (1945), Poemas políticos (1951) e
A Coluna (1958)
“Jacinta tornou-se
uma das mais ativas jornalistas da Bahia na década de 40, escrevendo sobre os
assuntos que mais a interessavam, pelos quais lutava: política, transformações
sociais e posição da mulher na sociedade. Colaborou também com jornais e
revistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Militante do Partido Comunista
Brasileiro de 1945 até a morte, em 1973, dedicou grande parte da vida ao
trabalho penoso, clandestino e cotidiano de luta por um Brasil menos injusto.”
“Jacinta
Passos foi uma mulher à frente de seu tempo. Nascida no ano da eclosão da
Primeira Guerra Mundial, e educada em tradicional família do interior da Bahia,
Jacinta paulatinamente rompeu os limites impostos por sua época e situação
social. Fez da poesia arma de esplendor e guerra. Incansável jornalista, foi
das raras mulheres da Bahia, no inicio da década de 1940, a expressar
publicamente suas opiniões, nem sempre concordantes com as da maioria.”
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