quarta-feira, 26 de abril de 2017

ADÉLIA PRADO - Nasceu em 1935



·         Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
-- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
       

Adélia Prado

·                             A Serenata
·  Uma noite de lua pálida e gerânios
ele virá com a boca e mão incríveis
tocar flauta no jardin.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela,se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?
·         Adélia Prado

 O Amor no Éter

Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniço na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica, exclamam:
como és bonito!
Quero escrever-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.

                   Adélia Prado



Biografia  textos extraídos da Enciclopédia ITAÚ CULTURAL
“Adélia Luzia Prado de Freitas nasceu em Divinópolis MG em1935. Poeta, romancista, contista e autora de histórias infantis. Ingressa em 1942 no Grupo Escolar Padre Matias Lobato, onde se alfabetiza. Escreve os primeiros versos anos, após a morte da mãe. Nesse mesmo ano, termina os estudos no Ginásio Nossa Senhora do Sagrado Coração.
Em 1973 gradua-se em filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis.
Embora tenha publicado em 1969 os versos A Lapinha de Jesus, em parceria com o escritor Lázaro Barreto (1934), considera sua estreia efetiva o livro Bagagem (1976), editado pela Imago por iniciativa de    Affonso R. de Sant'Anna e sugestão de Carlos Drummond.  
Em 1978 publica o livro de poemas O Coração Disparado.

Lança-se na prosa, com os contos Solte os Cachorros (1979) e o romance Cacos para um Vitral (1980). Na Prefeitura de Divinópolis, atua, entre 1983 e 1988, como chefe da Divisão Cultural e, entre 1993 e 1996, integra a equipe de orientação pedagógica.
Em 2006 publica Quando Eu Era Pequena, primeiro trabalho dedicado ao público infantojuvenil.
Comentário Crítico
Autora de obra lírica - tanto no verso quanto na prosa -, Adélia Prado dedica-se à abordagem do cotidiano doméstico e da sexualidade, cultivando elementos do catolicismo e desenvolvendo um singular retrato da condição feminina.
O primeiro poema de Bagagem (1976), seu livro de estreia, ao efetuar uma paródia de Poema de Sete Faces, de Carlos Drummond de Andrade, apresenta os principais pontos sobre os quais se desenvolve sua obra.
O retrato da mulher é constituído na importância conferida aos sentidos: o paladar, o olfato e a visão atribuem contornos eróticos e místicos ao ambiente.
Em O Pelicano (1978): "Os vocativos são o princípio de toda poesia". 
Em Tempo, de O Coração Disparado (1978). A ênfase na busca, motor da fé cristã e do ofício poético, apropria-se do conhecido clichê para se afirmar.
 A Faca no Peito, 1988), essa figura é a síntese entre religiosidade e erotismo. Em O Pelicano, está fortemente presente. Em Esplendores, de A Duração do Dia (2010), publicado após dez anos de silêncio poético, tal ofício é definido como "águas de compaixão";
Numa prosa sempre poética, apresentam-se protagonistas femininas vivenciando o cotidiano, em experiências que retomam os temas poéticos: a escrita, a sexualidade, a  velhice, a religiosidade.
Quando Eu Era Pequena (2006), sua estreia na literatura infantil, apresenta a personagem Carmela. Uma meninaque narra sua vida em família - com os pais, os irmãos e o avô - em uma cidade pequena: a declamação de poemas, as primeiras orações e as dificuldades financeiras enfrentadas durante a Segunda Guerra Mundial. A trajetória é continuada em Carmela Vai à Escola (2011), centrada no momento em que a menina descobre os livros e os amigos de estudo. “


Nenhum comentário:

Postar um comentário