quinta-feira, 27 de abril de 2017

RAQUEL DE QUEIROZ ( 1910 - 2003)



       GEOMETRIA DOS VENTOS
Eis que temos aqui a Poesia,
a grande Poesia.
Que não oferece signos
nem linguagem específica, não respeita
sequer os limites do idioma. Ela flui, como um rio.
como o sangue nas artérias,
tão espontânea que nem se sabe como foi escrita.
E ao mesmo tempo tão elaborada -
feito uma flor na sua perfeição minuciosa,
um cristal que se arranca da terra
já dentro da geometria impecável
da sua lapidação.
Onde se conta uma história,
onde se vive um delírio; onde a condição 

humana exacerba,
até à fronteira da loucura,
junto com Vincent e os seus girassóis de fogo,
à sombra de Eva Braun, envolta no mistério ao
mesmo tempo
fácil e insolúvel da sua tragédia.
Sim, é o encontro com a Poesia.

Raquel de Queiroz


        TELHA DE VIDRO
Quando a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...
A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...
Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que - coitados - tão velhos
só hoje é que conhecem a luz doa dia...
A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.
Que linda camarinha! Era tão feia!
- Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta,
fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você na experimenta?
A moça foi tão vem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!

Rachel de Queiroz
    


Texto extraído da Wikipédia - Enciclopédia
"Rachel de Queiroz Nasceu em Fortaleza – Ceará em 1910 foi uma tradutora, romancista, escritora, jornalista, cronista prolífica e importante dramaturga brasileira. Autora de destaque na ficção social nordestina.
Foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Em 1993, foi a primeira mulher galardoada com o Prêmio Camões Ingressou na Academia Cearense de Letras no dia 15 de agosto de 1994, na ocasião do centenário da instituição.
Rachel era filha de Daniel de Queiroz Lima e Clotilde Franklin de Queiroz, descendente pelo lado materno da família de José de Alencar.
 Em 1915, após uma grande seca muda-se com seus pais para o Rio de Janeiro e logo depois para Belém do Pará. Retornou para Fortaleza dois anos depois.
 Em 1925 concluiu o curso normal no Colégio da Imaculada Conceição. Estreou na imprensa no jornal ´´O Ceará´´, escrevendo crônicas e poemas de caráter modernista sob o pseudônimo de Rita de Queluz. No mesmo ano lançou em forma de folhetim o primeiro romance, História de um Nome.
Aos dezenove anos, ficou nacionalmente conhecida ao publicar O Quinze (1927), romance que mostra a luta do povo nordestino contra a seca e a miséria. Demonstrando preocupação com questões sociais e hábil na análise psicológica de seus personagens, destacase no desenvolvimento do romance nordestino.
Começa a se interessar em política social em 1928-1929 ao ingressar no que restava do Bloco Operário Camponês em Fortaleza, formando o primeiro núcleo do Partido Comunista Brasileiro. Em 1934 filia-se ao sindicato dos professores de ensino livre, controlado naquele tempo pelos trotskistas.
Viaja para o norte em 1934, lá permanecendo até 1939. Já escritora consagrada, muda-se para o Rio de Janeiro. No mesmo ano foi agraciada com o Prêmio Felipe d'Oliveira pelo livro As Três Marias. Escreveu ainda João Miguel (1932), Caminhos de Pedras (1937) e O Galo de Ouro (1950
Foi presa em 1937, em Fortaleza, acusada de ser comunista. Exemplares de seus romances foram queimados.
Homenageada em selo postal da Sérvia, em 2011.
Lançou Dôra, Doralina em 1975, e depois Memorial de Maria Moura (1992), saga de uma cangaceira nordestina adaptada para a televisão em 1994 pela Rede Globo. Exibida entre maio e junho de 1994 no Brasil, foi apresentada em Angola, Bolívia, Canadá, Guatemala, Indonésia, Nicarágua, Panamá, Peru, Porto Rico, Portugal, República Dominicana, Uruguai e Venezuela, sendo lançada em DVD em 2004.
Publicou um volume de memórias em 1998. Transforma a sua "Fazenda Não Me Deixes", propriedade localizada em Quixadá, estado do Ceará, em reserva particular do patrimônio natural. Morreu em 4 de novembro de 2003, vítima de problemas cardíacos, no seu apartamento no Rio de Janeiro, dias antes de completar 93 anos. Durante trinta anos escreveu crônicas para a revista semanal O Cruzeiro e com o fim desta para o jornal O Estado de S. Paulo.

Academia Brasileira de Letras

Concorreu contra o jurista Pontes de Miranda para a vaga de Cândido Mota Filho da cadeira 5 da Academia Brasileira de Letras. Venceu o pleito ocorrido em 4 de agosto de 1977 por 23 votos, contra 15 dados ao opositor e um em branco. Foi empossada em 4 de novembro de 1977. Recebida por Adonias Filho, foi a quinta ocupante da cadeira 5, que tem como patrono Bernardo Guimarães."

quarta-feira, 26 de abril de 2017

ADÉLIA PRADO - Nasceu em 1935



·         Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
-- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
       

Adélia Prado

·                             A Serenata
·  Uma noite de lua pálida e gerânios
ele virá com a boca e mão incríveis
tocar flauta no jardin.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela,se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?
·         Adélia Prado

 O Amor no Éter

Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniço na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica, exclamam:
como és bonito!
Quero escrever-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.

                   Adélia Prado



Biografia  textos extraídos da Enciclopédia ITAÚ CULTURAL
“Adélia Luzia Prado de Freitas nasceu em Divinópolis MG em1935. Poeta, romancista, contista e autora de histórias infantis. Ingressa em 1942 no Grupo Escolar Padre Matias Lobato, onde se alfabetiza. Escreve os primeiros versos anos, após a morte da mãe. Nesse mesmo ano, termina os estudos no Ginásio Nossa Senhora do Sagrado Coração.
Em 1973 gradua-se em filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis.
Embora tenha publicado em 1969 os versos A Lapinha de Jesus, em parceria com o escritor Lázaro Barreto (1934), considera sua estreia efetiva o livro Bagagem (1976), editado pela Imago por iniciativa de    Affonso R. de Sant'Anna e sugestão de Carlos Drummond.  
Em 1978 publica o livro de poemas O Coração Disparado.

Lança-se na prosa, com os contos Solte os Cachorros (1979) e o romance Cacos para um Vitral (1980). Na Prefeitura de Divinópolis, atua, entre 1983 e 1988, como chefe da Divisão Cultural e, entre 1993 e 1996, integra a equipe de orientação pedagógica.
Em 2006 publica Quando Eu Era Pequena, primeiro trabalho dedicado ao público infantojuvenil.
Comentário Crítico
Autora de obra lírica - tanto no verso quanto na prosa -, Adélia Prado dedica-se à abordagem do cotidiano doméstico e da sexualidade, cultivando elementos do catolicismo e desenvolvendo um singular retrato da condição feminina.
O primeiro poema de Bagagem (1976), seu livro de estreia, ao efetuar uma paródia de Poema de Sete Faces, de Carlos Drummond de Andrade, apresenta os principais pontos sobre os quais se desenvolve sua obra.
O retrato da mulher é constituído na importância conferida aos sentidos: o paladar, o olfato e a visão atribuem contornos eróticos e místicos ao ambiente.
Em O Pelicano (1978): "Os vocativos são o princípio de toda poesia". 
Em Tempo, de O Coração Disparado (1978). A ênfase na busca, motor da fé cristã e do ofício poético, apropria-se do conhecido clichê para se afirmar.
 A Faca no Peito, 1988), essa figura é a síntese entre religiosidade e erotismo. Em O Pelicano, está fortemente presente. Em Esplendores, de A Duração do Dia (2010), publicado após dez anos de silêncio poético, tal ofício é definido como "águas de compaixão";
Numa prosa sempre poética, apresentam-se protagonistas femininas vivenciando o cotidiano, em experiências que retomam os temas poéticos: a escrita, a sexualidade, a  velhice, a religiosidade.
Quando Eu Era Pequena (2006), sua estreia na literatura infantil, apresenta a personagem Carmela. Uma meninaque narra sua vida em família - com os pais, os irmãos e o avô - em uma cidade pequena: a declamação de poemas, as primeiras orações e as dificuldades financeiras enfrentadas durante a Segunda Guerra Mundial. A trajetória é continuada em Carmela Vai à Escola (2011), centrada no momento em que a menina descobre os livros e os amigos de estudo. “